domingo, 5 de janeiro de 2014

A definição musical

As definições de música expressam diferentes concepções. Ainda hoje, consultando o Novo dicionário Aurélio da língua portuguesa, encontramos no verbete "música" a seguinte definição: "Arte e ciência de combinar os sons de modo agradável ao ouvido"; e também: "Qualquer conjunto de sons" (seguido por parênteses onde se lê: "deprec.: musiqueta"). O verbete funda-se numa abordagem subjetiva, que confere valor àquilo que agrada ao ouvido. Quando define música como "qualquer conjunto de sons", isento de seu resultado estético, aponta o caráter depreciativo da definição.

No livro Evolução da teoria musical, de Elce Pannain, publicado em 1975, a música é definida como "arte de combinar sons e formar com eles melodia e harmonia". Essa definição também é inadequada, já que nem toda música é constituída por melodia e harmonia.

"A música é uma linguagem, posto que é um sistema de signos", afirma Hans-Joachim Koellreutter. Música é linguagem que organiza, intencionalmente, os signos sonoros e o silêncio, no continuum espaço-tempo. Para Koellreutter, na música se faz presente um jogo dinâmico de relações que simbolizam, em microestruturas sonoras, a macroestrutura do universo. Ele considera que a linguagem musical pode ser um meio de ampliação da percepção e da consciência, porque permite vivenciar e conscientizar fenômenos e conceitos diversos.

Falar sobre os parâmetros do som não é, obviamente, falar sobre música! As características dos sons não são, ainda, a própria música. Mas a passagem do sonoro ao musical se dá pelo relacionamento entre sons (e seus parâmetros) e silêncios.

Música não é melodia, ritmo ou harmonia, ainda que esses elementos estejam muito presentes na produção musical com a qual nos relacionamos cotidianamente. Música é também melodia, ritmo, harmonia, dentre outras possibilidades de organização do material sonoro. O que importa, efetivamente, é estarmos sempre próximos da ideia essencial à linguagem musical: a criação de formas sonoras com base em som e silêncio. Como? De muitas maneiras.

As profundas transformações econômicas, sociais, políticas e ideológicas que ocorreram no século XIX, responsáveis pelo desenvolvimento industrial e tecnológico, provocaram grandes mudanças na cultura ocidental, envolvendo, obviamente, a música.


"Uma enorme reviravolta dos princípios estéticos e uma nova atitude face ao som começam a se delinear, ainda nas primeiras décadas do século XX, provocando uma significativa mudança na história da percepção auditiva do homem ocidental. Aqueles sons que, outrora, configuravam-se enquanto 'pano de fundo' — os ruídos ambientais — tornam-se, agora, musicais."
(F. C. S. Carneiro, 2002, p. 53)

"Música é sons [sic], sons à nossa volta, quer estejamos dentro ou fora de salas de concerto", respondeu John Cage a Murray Schafer, quando questionado a esse respeito.* Para Cage, a escuta torna música aquilo que, por princípio, não é música. Em sua concepção, a construção musical se dá no nível interno, pela ação de uma escuta intencional, transformadora, geradora de sentidos e significados; o ouvinte é ouvinte-compositor, e as relações entre os sinais sonoros, sejam as buzinas e motores dos carros ou uma sinfonia de Beethoven, tornam-se música pela interação estabelecida entre os mundos subjetivo e objetivo: dentro e fora / silêncio interno e sons do externo / sons do interno e silêncio externo.
Cage considera que


"a música não é só uma técnica de compor sons (e silêncios), mas um meio de refletir e de abrir a cabeça do ouvinte para o mundo. [...) Com sua recusa a qualquer predeterminação em música, propõe o imprevisível como lema, um exercício de liberdade que ele gostaria de ver estendido à própria vida, pois 'tudo o que fazemos' (todos os sons, ruídos e não-sons incluídos) 'é música'."
(A. de Campos, inJ. Cage, 1985 —prefácio, p. 5)



*SCHAFER, M. O ouvido pensante. São Paulo: Editora Unesp, 1991, p. 120.

Fonte: Fonte: Livro - Musica na educação infantil, proposta para a formação integral da criança. Editora Peirópolis, 2008 De Teca Alencar de Brito; pag. 26 e 27

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